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2014
ed. Colibri

Conta um exílio atravessado pelo vigor de
uma mulher a partir da sua geografia original.
Maria Benta, empurrada pelas fracturas da
História Angolana, vai refazendo o chão para
a família ancorando-se na ancestralidade,
que é o pilar da sua identidade.


A narrativa, num entrelaço musical de
gramáticas, revela-nos personagens intensas
como Antoine e Ana Maria a quem o lastro de
desestruturação da guerra e do regime traz
uma certa surrealidade, e de uma maneira subtil
mostra-nos relações de género marcadas pela
desigualdade afectiva, desencantos políticos,
e uma especial oposição-parceria da intimidade
mãe e filha.


Boa viagem!

Quem se atreveu? Outra vez quem se atreve a se intrometer
no caminho do vento que penteia a planície anhara?
Os saques. As batidas. O roubo das almas.
Ouve, o professor lá sua casa sua mulher seus filhos:
— Damião! Hoje é o teu dia! Sai Damião! Deus que te vai
receber ainda hoje, obscurantista! Sai ainda embooora..!

Quando chegou pela terceira vez colocou entre as folhas do passaporte o bilhete de identidade português, caducado pela História, e espreitou para o rosto para lá do vidro, afiando os olhos, ela já vijutinha, antecipando um qualquer desconcerto dele, mas nada. O funcionário da migração devolveu o velho BI logo-logo, e oscilando a cabeça entre a fotografia do passaporte e a sua cara, perguntou:

— Qual é o motivo da sua visita?

Sentada na fila dos secadores, deixa-se agasalhar na cortina apaziguadora do calor no zoooon do capacete. À sua volta pés a repousar unhas pintadas, algodão que intervala os dedos, mãos abertas em joelhos de todas as cores. Rolos, bigoudins, esco-vas, revistas, sapatos, bacias, escovas, alicates, banquinhos de plástico, madeixas no chão, senhoras, meninas. Bocas a mexer das conversas.


2014
ed. Colibri

Conta um exílio atravessado pelo vigor de
uma mulher a partir da sua geografia original.
Maria Benta, empurrada pelas fracturas da
História Angolana, vai refazendo o chão para
a família ancorando-se na ancestralidade,
que é o pilar da sua identidade.


A narrativa, num entrelaço musical de
gramáticas, revela-nos personagens intensas
como Antoine e Ana Maria a quem o lastro de
desestruturação da guerra e do regime traz
uma certa surrealidade, e de uma maneira subtil
mostra-nos relações de género marcadas pela
desigualdade afectiva, desencantos políticos,
e uma especial oposição-parceria da intimidade
mãe e filha.


Boa viagem!

Quem se atreveu? Outra vez quem se atreve a se intrometer
no caminho do vento que penteia a planície anhara?
Os saques. As batidas. O roubo das almas.
Ouve, o professor lá sua casa sua mulher seus filhos:
— Damião! Hoje é o teu dia! Sai Damião! Deus que te vai
receber ainda hoje, obscurantista! Sai ainda embooora..!

Quando chegou pela terceira vez colocou entre as folhas do passaporte o bilhete de identidade português, caducado pela História, e espreitou para o rosto para lá do vidro, afiando os olhos, ela já vijutinha, antecipando um qualquer desconcerto dele, mas nada. O funcionário da migração devolveu o velho BI logo-logo, e oscilando a cabeça entre a fotografia do passaporte e a sua cara, perguntou:

— Qual é o motivo da sua visita?

Sentada na fila dos secadores, deixa-se agasalhar na cortina apaziguadora do calor no zoooon do capacete. À sua volta pés a repousar unhas pintadas, algodão que intervala os dedos, mãos abertas em joelhos de todas as cores. Rolos, bigoudins, esco-vas, revistas, sapatos, bacias, escovas, alicates, banquinhos de plástico, madeixas no chão, senhoras, meninas. Bocas a mexer das conversas.






Hei-de mostrar-te os barcos que passam aí, no fim da rua.
Havemos de lhes dizer adeus por dentro, e rir-rir, as duas
na rua a rir sem parecer mal... e depois ouvir bem o bater
da mulemba que vem a chegar aqui. Dizias minha tia,
a árvore Mulemba faz os filhos nas estacas que caminham.
Chega uma e outra e outra, fazem um muxito. E outro
e outro. Ah. Sabias sim, mais velha Namuene, Tata pwo,
minha linhagem, sabias sim. É verdade. Lhes sinto a chegar,
as estacas da mulemba a chegar aqui, bem aqui, sem licença,
pela casa adentro, sem mapa.

Não-coisas estão já aqui. Ah.


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